Na série americana "House of Cards", o congressista Francis Underwood mata um cão de estimação com as próprias mãos e, ao mesmo tempo, explica ao público que existem momentos em que é necessário que alguém faça algo muito desagradável, mas extremamente necessário. Aí você se pergunta: "Necessário para quem?"
A sensação com esta violência desenfreada que vive o Brasil, principalmente o Rio, é que o pior está sempre por vir. E, ainda mais grave, nós somos aquele cão.
No drama da NetFlix, de grande sucesso, tudo gira em torno do poder e da corrupção, Francis Underwood, vivivo por Kevin Spacey, está sedento por sucesso e nada o detém. O desejo é governar o mundo. Ele poderia até governar o mundo, desde que não incluísse o Brasil em seus planos.
Aqui o buraco é mais embaixo. Tem bandido, tem polícia que é bandido, tem bandido que se faz de polícia, tem político que é bandido e bandido que se candidata. Tem bandido que governa com voto, e tem aqueles que se atrevem a governar de dentro da prisão. Tem também as milícias, toleradas há décadas por vários setores da sociedade, que perceberam tarde demais o monstro criado e agora fora de controle.
A nossa permissividade matou a vereadora Marielle, mas também matou o motorista Anderson, matou ainda dezenas de policiais militares mortos em apenas três meses de 2018. A nossa leniência matou o pai de família e ainda matará outros tantos inocentes, que não têm ambição pelo poder, mas apenas de governar as suas próprias vidas.
Na websérie de Beau Willimon, o criador de House of Cards, Frank faz de tudo para se manter no mais alto cargo dos Estados Unidos. Nenhuma coicindência com a trama da realidade brasileira, pois aqui temos vários tipos de altos cargos, que se entrelaçam e vão derrubando quem atravessa o caminho.
Negra pobre e favelada, revestida de um poder conferido nas urnas, a vereadora atravessou esse caminho. Ela pôs um poder paralelo em xeque e executaram-na, com tiros de pistola e munição, que se sabe agora, da Polícia Federal. Marielle foi aquele cão da "House of Cards" tupiniquim. Antes de descansar da luta, ainda teve tempo de questionar: "Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?"
Enquanto a websérie americana chega ao fim, por aqui estamos em uma nova temporada: de guerra, sem fim.