O Repórter

A 'Midia Ninja' não faz jornalismo

Por Alex de Souza | OREPORTER.COM
20 de agosto de 2013 às 10:36
Atualizada em 20 de agosto de 2013 às 09:57
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RIO DE JANEIRO (O REPÓRTER) - Desde que se iniciaram as manifestações públicas espalhadas pelo Brasil, em meados de julho deste ano, uma turma ganhou as manchetes dos grandes jornais e da TV. Falo da "Mídia Ninja", que se autointitula  uma alternativa à imprensa tradicional.

O que este grupo faz não é jornalismo em sua essência. Tem, obviamente, elementos do jornalismo, mas o jornalismo pleno e eficaz, como se pretende, está ausente.

A premiada jornalista Eliane Brum, vencedora de mais de 40 prêmios jornalísticos, entre eles Esso e Vladimir Herzog, disse em entrevista à "Revista Piauí" que o bom jornalismo se faz com "reportagem que não reduz o mundo, que busca captar palavras, silêncios, hesitações, texturas e gestos. Detalhes únicos que enriquecem o texto, que fazem com que o leitor imagine a cena, desloque-se no tempo e no espaço e se emocione".

A Mídia Ninja não se encaixa na definição de Eliane Brum, visto que eles não fitam o olhar (ou não querem) em outras direções e se fixam em um determinado ponto, tal como a viseira de um cavalo. Isto impede que os seus seguidores tenham uma real noção do que esteja ocorrendo nas manifestações que se espalham pelas ruas e que são o produto de suas coberturas.

Outro fato grave, que põe os ninjas em xeque, é o formato de sua organização, totalmente obscuro, como numa seita religiosa. Eles surgem a partir de um grupo de fomento à cultura, conhecido como "Fora do Eixo", que também se disviruta de sua essência. (Saiba por que, aqui)

Pouco se sabia sobre eles, até a entrevista que os seus líderes Bruno Torturra e Pablo Capilé deram ao programa "Roda Viva", da TV Cultura. Após a sabatina, a mídia profissional se debruçou no tal fenômeno e foi a campo desvendar a real faceta de um grupo que prega a imparcialidade total e um "novo modelo de jornalismo".

O jornalista Fernado Gabeira, em artigo publicado no "Estado de São Paulo", foi direto e cobrou a imparcialidade que os ninjas gritam aos quatro cantos.

"Quando alguém da Mídia Ninja é preso, a grande imprensa relata em detalhes e busca explicações da polícia. Quando carros das emissoras de TV são queimados por manifestantes, é de esperar que a Mídia Ninja também combata esse tipo de violência e todas as outras formas de agressão".

Este tal modelo inventando ou reinvetado pelos ninjas não se sustenta.

A colunista de "O Globo", Cora Ronai, se disse desapontada ao perceber que "por trás do que imaginava ser um movimento espontâneo, estavam, pelo menos em parte, grana e estímulo do governo. [...] não confio em quem se diz independente e autossustentável enquanto, por trás, recebe uma quantia não especificada de recursos que, por serem nossos, deveriam ser bem explicados".

Até a revista "Veja", que não se bica com a Carta Capital, reproduziu a matéria da concorrente, assinada por Lino Bocchini e Piero Locatelli, que trouxe à tona alguns negócios pouco ortodoxos de Capilé e do grupo "Fora do Eixo". (Confira aqui ).

É balela dizer que se faz jornalismo, indo para rua com celulares em punho, colher horas de material e jogá-los na rede, sem edição, sem tratamento, sem explicação aos seus leitores, a título de jornalismo independente. É para mim, fanfarronice, preguiça.

Numa análise fria, o jornalista é aquele que coleta, redige, edita e publica. Mas, sabemos que vai além dessas burocráticas definições.

Álvaro Caldas, em "Deu no Jornal", Editora PUC Rio (2002), sugeriu características básicas ao que se define jornalista. "Bom texto, simples e direto. Síntese entre a linguagem falada e a literária e um mínimo de elegância ao contar uma história".

Repito, portanto, que a Mídia Ninja não faz jornalismo, apesar de possuir alguns elementos do jornalismo. Uma das provas desta afirmação, está na entrevista caótica, de mais de 1h30min, que fizeram com o prefeito Eduardo Paes, político experiente, que os colocou no bolso. (Veja aqui)

Uma enchurrada de críticas tomou conta das redes sociais após a entrevista com o prefeito do Rio e o grupo se viu obrigado a publicar um mea-culpa "a pressa foi inimiga da perfeição, tínhamos duas opções apenas: topar (a entrevista) ou não".

A entrevista a um grupo, que estava na crista da onda dos protestos no Rio de Janeiro, acabou se tornando perfeita para a estratégia da prefeitura municipal de aumentar a presença de Eduardo Paes nas redes sociais e o aproximar dos formadores de opinião na internet. O prefeito não perdeu tempo. Criou uma conta no Google Hangouts, ferramenta que promove transmissões em vídeo para falar com internautas e prometeu mais interação pelo site Rio+, onde a população pode sugerir e votar em ideias que melhorem a cidade.

O despreparo pode comprometer a mensagem final e o profissional da Comunicação, que se afasta do compromisso com a verdade e a informação, assumido em sua formação, passa a buscar subterfúgios para reinventar a roda, o tal novo modelo de jornalismo (diferente de modelo de negócio, que as empresas buscam).

No início deste século, a discussão pairava sobre a indefinição dos jornais impressos com a revolução tecnológica, que ainda causa nas empresas de mídia uma grande indefinição e medo. A saída, no entanto, não está no tal novo modelo, mas na valorização ampla do jornalista, não apenas em termos salariais, mas sobretudo em sua formação.

Desta maneira, finalizo o texto com a definição mais que perfeita da minha colega Eliane Brum, sobre o jornalismo. (Que para mim, repito, não é feito pela Midia Ninja).

"Existe bom e mau jornalismo. O bom jornalismo é aquele que se faz apurando todos os detalhes, atravessando a rua e mudando de ângulo várias vezes, sempre aberto para o espanto. Aquele que se ouve um pássaro cantar vai descobrir que pássaro era aquele, se diz que fazia sol no dia em que aconteceu um crime é porque checou com três sites de meteorologia diferentes para ter certeza de não errar, além de ouvir várias pessoas apenas sobre este detalhe específico. É na precisão dos detalhes, na quantidade de nuances, na reprodução do ritmo e da fala e no respeito pelas palavras do outro que a reportagem se faz substantiva e comprova sua qualidade e relevância. Na reportagem, não há milagre, e o talento para escrever não salva ninguém da preguiça. O cara pode ser um prêmio Nobel da literatura que, se apurou mal, vai escrever um texto ruim. E, sim, o bom jornalismo se aplica a tudo o que é da vida".

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