O Repórter

Acidente com Fokker 100, há 25 anos, exigiu mudanças na aviação brasileira

Assistência às famílias e mais transparência vieram depois de 1996

Por OREPORTER.COM
31 de outubro de 2021 às 09:02
Atualizada em 31 de outubro de 2021 às 09:09
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Rovena Rosa / Agência Brasil

SÃO PAULO (Agência Brasil) - Em 1996, quando o Fokker 100 da TAM caiu sobre residências no bairro do Jabaquara, em São Paulo, as companhias aéreas ainda não eram obrigadas a fornecer assistência para as famílias de vítimas de acidentes. De lá para cá, após muitas batalhas, garantir o amparo e a assistência aos familiares foi uma das conquistas da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapavaa), criada por familiares de vítimas do voo da TAM e que se tornou a primeira agremiação desse tipo no Brasil. Depois dela, outras associações foram criadas para cada um dos grandes acidentes com aeronaves que ocorreram no país.

“O grande problema é que, em 1996, o Brasil ainda não tinha uma norma de assistência a familiares de vítimas como tem hoje. Isso também foi conquista nossa. Quando tem um acidente de maior proporção, logo os familiares são instalados em hotéis e começa a ter padre e psicólogo. Essa norma passou a ser uma obrigação para toda as aéreas em 2005, com a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]”, disse Sandra Assali, que perdeu o marido no acidente, e é a presidente da associação.

“Naquela época, a coisa foi muito complexa. Foi um divisor de águas. Uma das questões foi essa, mudou totalmente a forma de lidar com familiares de vítimas”, acrescentou.

Quase dez anos depois, em 2005, foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma agência para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeroportuária e aeronáutica. Neste mesmo ano, a Anac criou e publicou um plano de assistência aos familiares e vítimas de acidentes aéreos, tornando-o obrigatório a empresas áreas nacionais e estrangeiras. Cabe à Anac fiscalizar a prestação desse suporte.

O plano de assistência, de 2005, estabelece, por exemplo, que a empresa aérea deve elaborar a lista de vítimas do acidente aéreo em até três horas e que as famílias devem ser informadas e notificadas  antes da imprensa ou do público. As empresas aéreas também devem prover transporte para as vítimas ou familiares das vítimas, fornecer informações sobre o acidente, devolver objetos pessoais e, também oferecer acomodação, alimentação e assistência médica, psicológica e religiosa aos familiares das vítimas e aos sobreviventes.

Mas no acidente com o Fokker 100, as famílias e vítimas ficaram desamparadas. “Era uma empresa que não se preparou para a eventualidade de um acidente aéreo. As famílias ficavam absolutamente largadas. Não tivemos assistência nenhuma”, disse Sandra Assali. Na época, ela teve a confirmação de que o marido estava no voo após ver uma lista de nomes pela TV. A empresa jamais a procurou para falar sobre a morte do marido.

Quem também reclama do tratamento dado pela empresa é o jornalista Jorge Tadeu da Silva, que teve sua casa destruída com a queda do avião. Seus pais, que moravam na casa ao lado, também tiveram a residência destruída e, naquela noite, tiveram de dormir na casa de parentes.

"Naquele dia não tivemos nenhuma informação. Meus pais ficaram na casa da minha tia e eu dormi na casa do meu irmão. No dia seguinte, através de colegas da imprensa, a gente soube que a TAM havia disponibilizado um flat ao lado do aeroporto. E a gente ficou lá por três meses. Quando acabaram os três meses, mesmo eu ainda não tendo sido indenizado, eles [da TAM] disseram que era para arrumar um lugar para alugar e que iriam pagar três meses de aluguel. E daí encerrava. Bateu os três meses, saímos [da casa alugada]. Conseguimos alugar uma outra casa [aluguel que foi bancado pela própria família]. Felizmente meu pai tinha uma reserva de dinheiro e deu para a gente começar a reconstruir uma das casas [que foram destruídas no acidente]", contou Silva.

A indenização que ele buscava pela destruição de sua residência demorou muito a chegar. Silva entrou na Justiça para tentar obter o dinheiro da empresa para a reconstrução das casas. "Foi levado para a Justiça porque não houve acordo [com a empresa]. Levou muito tempo para a gente conseguir receber alguma coisa. Levou, na verdade, onze anos", relembrou.

“Justamente quando caiu o outro avião da TAM, que atravessou Congonhas [em julho de 2007, causando a morte de 199 pessoas], a imprensa questionou como foi esse acidente [de 1996]. E aí começaram a fazer levantamento do acidente anterior e verificaram que boa parte das indenizações estavam pendentes - não somente dos moradores, mas principalmente das viúvas", destacou.

Por meio de nota, a Latam informou não ter hesitado em “dar assistências às famílias das vítimas, mesmo não tendo protocolos e normas globais para assistência humanitária”.

Ainda segundo a empresa, “todas as famílias das vítimas envolvidas [no acidente] foram indenizadas”.

Transparência na investigação

Segundo Sarrubbo, outra mudança provocada pelo acidente com o Fokker 100 da TAM diz respeito à transparência.

“Esse acidente foi um grande paradigma também na questão da transparência. A comissão de investigação da Aeronáutica, naquela oportunidade, se negou a enviar seus pareceres e conclusões ao sistema de Justiça", relembrou.

"O Ministério Público de São Paulo entrou no STJ [Superior Tribunal de Justiça] e conseguiu obter a medida cautelar que obrigava os órgãos de segurança, no caso, o Cenipa [Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos], a entregar ao sistema de Justiça todas as conclusões técnicas relacionadas ao acidente. A partir daí, já não houve mais dificuldade. No acidente de 2007, requisitamos as informações e elas vieram sem maior dificuldade”, disse.

Latam

Procurada pela Agência Brasil, a Latam [empresa formada em 2012 pela fusão entre a LAN e a TAM]  informou que a aviação mundial “não é a mesma quando se compara com o cenário em 1996, tanto para a empresa quanto para o setor de forma geral”.

“Após 25 anos, muito se avançou em termos de regulamentação e protocolos globais de segurança da aviação, reduzindo aproximadamente em 96% os acidentes aéreos entre 1996 e 2021”, diz a empresa, em nota. “Com o crivo do presente, situações como o acidente do voo 402 de 31/10/1996 coloca sempre uma luz e atenção ainda maior pela segurança e principalmente, pela capacidade de a empresa responder a emergência de forma estruturada, com agilidade e transparência”, acrescentou.

Ainda segundo a empresa, caso um “pior cenário aconteça”, ela “está preparada para agir”, já que tem um plano de resposta à emergência. “Este plano de resposta a emergência é parte da cultura do Grupo Latam com foco em sua premissa número 1: segurança é valor inegociável", escreveu a empresa, em nota encaminhada à Agência Brasil.

Segundo a aérea, esse plano passa constantemente por um processo interno de revisão de procedimentos e contempla atendimento e assistência às famílias envolvidas.

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