O Repórter

Considerado como sucessor de Silvio Santos, Gugu dominou os domingos na TV

Por Rafael Max
23 de novembro de 2019 às 01:15
Atualizada em 09 de fevereiro de 2024 às 14:35
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Divulgação/SBT
Gugu recebe o Troféu Imprensa de Silvio Santos
Gugu recebe o Troféu Imprensa de Silvio Santos

RIO (OREPORTER.COM) - Em 1988, Silvio Santos enfrentou um problema de saúde que poderia afetar seriamente sua carreira. Ele estava com um problema nas cordas vocais, chegando até a ficar fora do ar no começo daquele ano. Assim, o apresentador teve que diminuir a sua carga horária e pensar seriamente em alternativas para manter a grade dominical do SBT.

Naquela altura, Gugu Liberato assinara um contrato com a Rede Globo para comandar um programa aos domingos. Para quem não sabe, essa faixa era considerada problemática para a emissora carioca durante toda a década de 1980. Isso começou em 1976, com a ida de Silvio Santos da Globo para a Rede Tupi. Posteriormente, o apresentador conseguiu montar sua própria rede de televisão, inaugurando o SBT em 1981.

A transferência de Gugu para a Globo acabou interrompida pelo próprio Silvio Santos. Ele procurou o apresentador e propôs um aumento no seu salário, passando a ser o artista mais bem pago da televisão brasileira, além de participações em merchandising e anúncios. Além disso, Silvio aceitou que Gugu estivesse presente nas tardes de domingo do SBT. O fato foi comunicado a José Bonifácio de Oliveira, o Boni, responsável pela programação da Globo, e a Roberto Marinho, proprietário da emissora. Silvio também dispôs a arcar com toda a rescisão do contrato com a Globo. A grade dominical da Globo voltaria a ganhar reforço em 1989, com a estreia do "Domingão do Faustão", apresentado por Fausto Silva, vindo da TV Bandeirantes.

No SBT, Gugu acumulou o "Viva a Noite", exibido aos sábados, passando a dividir o "Programa Silvio Santos" nas tardes de domingo, o que o colocou como uma espécie de sucessor do Homem do Baú.


Gugu durante o "Passa ou Repassa", em 1988 (Foto: Divulgação)

Na época, o "Programa Silvio Santos" ocupava toda a faixa dominical, se estendendo por mais de dez horas de duração com uma sucessão de quadros comandados pelo apresentador. A partir de 1988, Gugu passou a fazer vários segmentos dessa faixa, a começar pelo "Passa ou Repassa". Silvio iniciava o programa de sua maneira habitual com a música "Silvio Santos Vem Aí" e passava a bola para Gugu, que comandava a gincana.

Gugu também apresentou atrações como "Cidade contra Cidade" e "Roletrando". Outra atração comandada por Gugu foi o "TV Animal", gincana que apresentava perguntas e brincadeiras sobre a fauna. 

Aos domingos, Gugu apresentou uma série de atrações, algumas nem tão lembradas pelo público. Entre 1991 e 1992, comandou o "Big Domingo", uma espécie de "pai" do "Domingo Legal". Em 1993, trouxe o universo dos videogames no "Play Game", que foi uma parceria com a Tec Toy, fabricante do console Master System para o Brasil. Os participantes do game show respondiam perguntas sobre o universos dos games e também eram colocados como se estivessem em um jogo de verdade. Tudo usando o efeito de chroma key.


Gugu à frente do "Play Game" (Foto: Reprodução)

Entre outras atrações apresentadas por Gugu estão os games "Corrida Maluca" (1989-1991) e "Nações Unidas" (1992-93). Mas foi só em 1993 que Gugu afixou-se de vez nos domingos com a estreia do "Domingo Legal". Na chamada da época, era anunciado como mais um segmento do "Programa Silvio Santos". Curiosamente, a atração só se descolou de Silvio já na década de 2000, aparecendo nos guias de programação dos jornais como programa próprio.

Sucesso nos domingos à tarde

O "Domingo Legal" estreou no SBT no dia 17 de janeiro de 1993. Basicamente era uma transferência do que era apresentado habitualmente no "Viva à Noite", extinto no ano anterior, levando as gincanas com artistas no palco e atrações musicais. Aos poucos, o programa foi ganhando cara própria, até começar a ser apresentado ao vivo em 1994. Era exibido do meio-dia às 16 horas, mas passou a ser transmitido das 16h às 20 horas a partir de 1997, batendo de frente com o "Domingão do Faustão", da Globo. 

Um divisor de águas do "Domingo Legal" foi  a cobertura ao vivo da morte do grupo Mamonas Assassinas, na edição do dia 3 de março de 1996, dia seguinte ao trágico acidente ocorrido na noite anterior que vitimou a banda, que estava no auge do sucesso. Por horas, Gugu trouxe entrevistas com pessoas próximas da banda e reapresentou momentos do grupo no programa. Aquela edição comoveu o Brasil, fazendo 47 pontos de pico de audiência.

Era uma época em que jornalismo aos domingos era uma raridade. A única chance de ficar bem informado era no "Fantástico", à noite, na Globo. Fato que chamava a atenção do próprio Gugu, que buscava contar com jornalismo em sua atração de auditório. Na ocasião da morte dos Mamonas Assassinas, o próprio Gugu pediu a Silvio para que mobilizasse a equipe de jornalismo da emissora com o objetivo trazer flashes ao vivo sobre o fato. Assim, o "Domingo Legal" daquele dia se tornou a grande fonte de informação sobre aquele momento trágico. 


Gugu à frente do "Domingo Legal" (Foto: Divulgação)

Gugu fazia questão de contar com jornalistas no staff de seu programa. Passaram pelo "Domingo Legal" as repórteres Silvana Kieling e Sônia Abrão, além das participações do Comandante Hamilton com seu helicóptero ao vivo. O apresentador mostrava as capas dos jornais de domingo e também exibia reportagens em seu programa. 

Isso fez com que a guerra pela audiência ficasse ainda mais acirrada. Em 1998, na ocasião em que o ator Gerson Brenner havia sido baleado na cabeça, a então repórter Sônia Abrão brigou ao vivo com a equipe da Rede Globo pelo direito de entrevistar Denise Tacto, então esposa do ator. 

"É um desrespeito com o público do Brasil inteiro, é um desrespeito com o SBT, é um desrespeito com a democracia da inteformação nesse país. Não se pode permitir esse tipo de coisa. Não existe exclusividade em uma hora dessa, existe, sim, solidariedade", desabafou Sônia, na época, após uma produtora da concorrente tentar afastar o microfone do SBT.  


Sônia Abrão tenta entrevistar Denise Tacto no "Domingo Legal" (Foto: Reprodução)

Gugu também dava espaço para casos estranhos. Foi em 1997 que a expressão "chupa-cabra" se popularizou quando o programa mostrou casos de ataques a animais que apareciam mortos sem o sangue. Muitos atribuíram a uma criatura desconhecida. 

Outros momentos abordados exaustivamente pelo dominical foram o sequestro de Wellington Camargo, irmão da dupla Zezé di Camargo & Luciano, em 1998, e o acidente aéreo envolvendo o cantor Hebert Vianna, em 2001, além da rebelião do presídio do Carandiru, em São Paulo, no mesmo ano. 

Aliás, a música que acompanhava as coberturas ao vivo do "Domingo Legal" se chama "Nucleogenesis Part 2", lançada em 1976 pelo músico grego Vangelis (ouça).

Número 1

2000 e 2001 são considerados os momentos em que Gugu atingiu o auge na briga pela audiência. A Globo apostava na chegada de Tom Cavalcante nas tardes, antes do Faustão. Em declaração publicada na Folha de S. Paulo em 12 de março de 2000, o diretor Roberto Manzoni até provocava: "O 'MegaTom' vai perder feio de nós. Tom Cavalcante não aguenta um programa só dele. E também vamos ganhar do 'Faustão".

E, de fato, Gugu manteve o domínio nessa faixa horária. E fez até a Globo modificar a grade e apresentar o futebol aos domingos (o que não era habitual na época), colando as finais dos campeonatos Carioca e Paulista junto com uma edição conjunta do "Domingão do Faustão" e do "Planeta Xuxa". Na edição de 24 de maio de 2001 da Folha de S. Paulo, isso era visto como uma estratégia para derrotar o "Domingo Legal". 

O ano de 2001 ficou mesmo marcado pelo número "1" em destaque no logotipo do programa de Gugu Liberato. 


Uma apresentação da cantora Lara Fabian no "Domingo Legal" (Foto: Reprodução)

Mas as provocações na guerra pela audiência já apareciam bem antes. Em 1998, por exemplo, o SBT fez um anúncio com Gugu nocauteando Faustão ao celebrar a liderança de público.

Em 2001, o ator belga Jean Claude Van Damme veio ao Brasil para divulgar o filme "Replicante". Mas ele acabou ficando mesmo marcado pela dança com a cantora Gretchen no palco do "Domingo Legal", fato que rendeu 37 pontos de audiência. 


Gugu observa Van Damme e Gretchen (Foto: Reprodução)

Em 2003, aconteceu o que era impensável. Gugu e Faustão apareceram juntos, ao vivo, para uma ação de marketing da Nestlé. Rivais por anos na disputa pelos domingos, os dois apresentadores conversaram sobre a promoção, no que foi considerado o maior "crossover" da história da televisão. O termo é utilizado com frequência na ficção, quando personagens de diferentes universos se encontram em uma mesma história.


Gugu e Faustão juntos no ar (Foto: Reprodução)

Pode-se dizer que 2003 marcou o fim da guerra pela audiência entre Gugu e Fausto Silva. A começar pela matéria mostrada pelo "Domingo Legal" com falsos integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o que prejudicou a credibilidade do programa do SBT. Outro motivo foi o aparecimento do humorístico "Pânico na TV", da RedeTV!, que estreou poucas semanas depois desse caso. Apostando forte em matérias satirizando celebridades, a atração começou a "roubar" os pontos de audiência da atração concorrente.

Gugu continuou no ar pelo SBT até 2009 e saiu dos domingos em 2013, quando estava na Record. O apresentador morreu nesta sexta-feira, deixando para sempre a sua marca na história da televisão brasileira. 

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